Há mais de 100 anos, o setor elétrico brasileiro tem uma história que não mudou muito. A energia é gerada, transmitida para as distribuidoras e destas segue para os consumidores, que não podem interferir nesse processo, consumindo uma energia que vem pelo Sistema Interligado e cuja origem desconhecem. Mas, em Paragominas, no interior do Pará (300 km de distância em linha reta de Belém), começa a ser escrito um novo capítulo nessa história, que provavelmente não vai virar o setor elétrico pelo avesso, mas planta uma semente que deverá se alastrar pelo País. Lá, acaba de ser criada a primeira cooperativa de energia renovável do Brasil.
A assembleia de constituição da Cooperativa Brasileira de Energia Renovável (Coober) foi realizada no dia 24 de fevereiro, a partir da iniciativa de 22 cooperados que querem ser os gestores da própria energia elétrica que consumirão. São advogados, biólogos, engenheiros agrônomos e eletricistas e outros profissionais. “Nosso objetivo é produzir a energia que cada um consome. Somos um grupo de amigos que tem uma visão de mundo diferente, no qual a produção será descentralizada e com base nas energias renováveis”, disse a este site o presidente e idealizador da cooperativa, o advogado ambientalista Raphael Sampaio Vale.
A Coober tem como base o mesmo espírito que leva as pessoas a consumirem alimentos orgânicos, por exemplo, em vez de produtos industrializados e pouco saudáveis. Só que agora, em vez de consumir compulsoriamente uma energia elétrica gerada por uma usina que fez desaparecer uma parte da floresta e inundou uma reserva indígena ou de uma térmica a óleo combustível que joga diariamente toneladas de veneno na atmosfera, os integrantes da cooperativa estão fazendo a opção para consumir uma energia limpa, produzida e distribuída por eles mesmos.
Nesse contexto, Vale explica que a cooperativa já identificou três áreas em Paragominas, para a instalação de uma usina geradora que utiliza painéis fotovoltaicos e aproveita a energia do sol. “Nós, os cooperados, estamos compromissados com este objetivo, realizando reuniões constantes e, em abril, esperamos ter as definições necessárias para rodar o projeto com um cronograma real e focado na meta de entrar em operação até o final de 2016”, salientou.
Ele entende que não haverá dificuldades para se obter as licenças ambientais, principalmente com base na recente legislação que simplificou o licenciamento de micro e minigeradores de energia renovável. Por enquanto, a adesão à cooperativa ficará restrita aos 22 fundadores da Coober. “Como o cooperativismo de energia renovável é muito novo no Brasil, resolvemos produzir primeiro para depois possibilitarmos a entrada de novos cooperados”, explicou o presidente.
O presidente da cooperativa revelou que o grupo pretende utilizar a rede de distribuição da distribuidora local, a Celpa. Para conversar de igual para igual com a concessionária paraense de distribuição (habitualmente, as distribuidoras resistem a qualquer tipo de ideia que diz respeito à perda de clientes cativos), o pessoal da Coober que conhece o tema “energia elétrica” está estudando a fundo toda a legislação pertinente produzida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A princípio, conforme disse Raphael Vale, a Coober chegou a estudar a possibilidade de enveredar pela energia solar, biodigestão ou até mesmo pela energia eólica. Ou inclusive através de uma combinação entre solar e eólica. Entretanto, considerando o fato de o estado do Pará ser um excelente ponto de captação de energia solar, a cooperativa optou por essa fonte. Ele lembrou que, na Alemanha, que tem muito desenvolvimento no campo da energia solar, a captação é 40% inferior ao pior local do Brasil. “Se na Alemanha é possível e o país está bem mais distante da linha do Equador, o Pará é um ambiente muito mais propício. Temos um nível de radiação muito maior, o que torna o nosso projeto completamente viável sob o ponto de vista econômico”, destacou.
A Alemanha, aliás, é um lugar para se olhar com mais atenção, na visão dos integrantes da cooperativa de energia renovável de Paragominas. Afinal, cooperativas de energia já são uma realidade em países europeus e cresceram bastante principalmente na Alemanha. A Coober, aliás, tem apoio institucional da Confederação Alemã de Cooperativas (DGRV) e trabalha em parceria com o Ministério das Cidades (Probiogás) e a agência alemã para cooperação e desenvolvimento (GIZ), além do apoio da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Governo do Estado do Pará e Prefeitura Municipal de Paragominas.
“Já havia sido aprovada uma norma, pela Aneel, que permitia que o consumidor que tinha interesse em produzir energia renovável de forma isolada, em sua residência, pudesse fazê-lo. A OCB, entretanto, se posicionou frente à Aneel visando à adaptação dessas normas, de modo que as cooperativas fossem inseridas nesse mercado. Essa alteração está entrando em vigor”, afirmou Vale.
Os integrantes da primeira cooperativa de energia renovável do Brasil estão otimistas e querem compartilhar a ideia, na esperança que esse tipo de iniciativa se espalhe pelo Brasil. Afinal, não é apenas no Pará que existem pessoas com outra visão de mundo, interessadas em consumir energia limpa, renovável, sustentável e que seja mais barata para o consumidor final. A Coober pretende elaborar um manual para que outros grupos no resto do País possam se interessar pelo tema.